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quarta-feira, 30 de julho de 2014

A escola pública, os alunos e o futuro de Portugal

A discussão em torno da educação em Portugal é simultaneamente tanto um imperativo imposto pela necessidade quanto parece ser uma impossibilidade teórica, imposta pela análise prática quando considerado o caótico processo de discussão educacional que teve lugar nos últimos anos. Com efeito, o que se conclui - para além de que quando se fala desta temática, nada se consegue concluir - é que se discute cá fora o que deveria ser discutido internamente duvidando-se, e com fortes razões para isso, se a discussão que deveria ser feita cá fora, é ou não levada a cabo lá dentro. A primeira diz respeito ás carreiras e ao processo avaliativo, o segundo aos currículos, ao cheque-ensino - concorrência - e à disciplina na escola, entre outros.

Vamos por partes. O mundo mudou e, como de costume, sectores consideráveis da população Portuguesa, nomeadamente as corporações mais bem instaladas e que mais têm a perder com este processo globalizador, continuam, hoje e sempre, irredutíveis à mudança e ao invasor ideário neo-liberal e ao regime capitalista-exploralista que o serve. Com efeito, é exactamente isso que se passa. Não precisamos de mudar nada no nosso sistema, porque tudo vai bem. O oriente não se industrializou e não se tornou o centro produtor do mundo - em bens e serviços -, o leste europeu, mais alfabetizado e instruído e com custos unitários do factor trabalho mais baixos que o nosso, não se liberalizou, a China e a Índia não aderiram à OMC, os tigres asiáticos são uma lenda polulante que graça lá para os lados do sol nascente à qual não devemos ligar, a América do Sul não tem hoje uma voz activa no mundo, a África não procura, ainda que lentamente, o seu lugar ao sol no concerto das nações e o conjunto das economias emergentes não dilaceraram a estrutura produtiva que existia no País, num mundo com cada vez menos barreiras proteccionistas e no qual a competição sectorial é mais intensa que alguma vez foi. 

Como dificilmente podemos concorrer em mercado aberto com estes players em produtos de baixo valor acrescentado, tê-lo-êmos de fazer em nichos de mercado em que sejamos comparativamente melhores. A melhor forma de o podermos fazer reside na melhor combinação que consigamos encontrar entre as duas variáveis fundamentais da produção que nos interessam aqui discutir: o capital e o trabalho. No que diz respeito ao primeiro factor, os dados não são encorajadores. A formação bruta deste tipo de factor de produção está muito longe de ser o esperado, e é um dos calcanhares de aquiles da nossa economia. Quando se fala que a economia lusa está fortemente descapitalizada, não se fala tanto na falta de capital circulante: é do capital fixo que estamos verdadeiramente necessitados. Como durante o boom do crédito barato nos mercados internacionais nos fomos divertindo a gastá-lo - gastá-lo é diferente de aplicá-lo ou investi-lo, pois este últimos pressupõem reprodutividade - em autoestradas onde ninguém anda, em reestruturações de linhas de caminho-de-ferro que poupam minutos a custo de centenas de milhões de euros, em processos de formação profissional cuja avaliação nunca foi feita - talvez porque o resultado fosse aquele que, empiricamente, todos prevemos que seja: MEDÍOCRE - ou em fantásticos planos corporizados por uma nouvelle instruction chamada «Novas Oportunidades», essa fantástica obra que pretendia eliminar por decreto uma atraso formacional que tinha mais a ver com a Escola Pública da ditadura e da Democracia da III República do que com qualquer outra questão; nunca fizemos o investimento que devíamos ter feito na modernização da nossa estrutura produtiva no que às instalações e equipamento/maquinaria diz, pois os empresários, quase que obrigados pelas circunstâncias criadas pelo poder político e pela legislação por ele aplicada na forma de isenções, estímulos, benefícios fiscais, etc, preferiram aplicar esse dinheiro no imobiliário e em bens e serviços para alimentar o mercado interno em vez de fazer aquilo que um País da nossa dimensão deve fazer agora e sempre, que é exportar. E isto só aconteceu com o dinheiro dessa oferta brutal de crédito que teve lugar no início da década que o Estado não decidiu esbanjar em obras públicas, e aumentos de despesa com a saúde, educação e prestações sociais que, há muito, já não se pagavam com as receitas obtidas a através de contribuições e impostos - gosto da palavra contribuições, diga-se -. Foi aí que começamos a perder o comboio desta última globalização. É por isso que acho curioso esse auto-elogio que alguns fazem agora a propósito desta capacidade que os empresários emprestaram à nossa economia ao deslocarem a produção do mercado interno para o exterior. É tudo uma questão de estímulos. Se ao menos o Estado tivesse percebido o que a Alemanha já percebeu desde a sua unificação em 1870, a China desde 1979 com Deng Xiaoping e os Estados Unidos não tardarão a perceber, por maior que seja o mercado interno, o equilíbrio da balança comercial é fundamental num mundo liberalizado e desprovido de barreiras alfândegárias. E o nosso mercado interno não tem comparação com aqueles que acabo de referir, o que só piora o problema. Ora se não temos possibilidade de solicitar somas avultadas de dinheiro na forma de empréstimos porque ninguém nos empresta, como é quase impossível aumentar a carga fiscal porque a mesma atingiu já números exorbitantes, e como não geramos poupanças que nos permitam usá-las para, agora sim, as aplicar-mos em bens e serviços transacionáveis capazes de ombrearem com o melhor que no mundo se produza –ao invés do que se faz no passado recente -, resta-nos apenas a moleta do investimento externo para podermos fazer a revolução tecnológica que urgentemente necessitamos. Como a nossa estabilidade governativa, a nossa política fiscal, a nossa burocracia e o nosso quadro legislativo são tudo menos estáveis e previsíveis; não se augura grande futuro a este País se um grande consenso político e social não se vir entretanto gerado.

Mas onde perdemos definitivamente o comboio foi quando não percebemos o que fazer com a educação desse bem cada vez mais escasso e precioso que são os nosso jovens, onde me incluo, eles que representam a mão-de-obra, o factor trabalho, o capital humano de amanhã, que vai competir com os jovens da Coreia do Sul, do Japão, de Singapura, da Indonésia, do Brasil, da Colômbia, da Alemanha, da Polónia e do Canadá. É essa a diferença entre a geração que hoje tem trinta ou quarenta anos, e aquelas que aí vêm, com a dos seus pais ou avós: já não vais haver espaço para equívocos, para disparates como a protecção legal dada aos fósforos como forma de proteger essa indústria descapitalizada e ineficiente contra a modernidade representada pelos isqueiros. Não é esquecendo a ameaça, ou utilizando expedientes dilatórios para a rechaçar, apresentada pela concorrência num mundo globalizado que resolvemos os nossos problemas: é enfrentando-os em campo aberto. Naturalmente não em tudo, mas sim naquilo que podemos e realmente somos melhores a fazer. A indústria do calçado, depois de ter passado por momentos difíceis, não se salvou por decreto governamental ou por uma lei da Assembleia da República: prosperou por que se reinventou, porque percebeu o problema que residia nas consequências entretanto analisadas e porque lhe atacou as causas. Esta indústria entreluziu rapidamente que nos produtos de baixo valor acrescentado dificilmente seria competitiva: os concorrentes asiáticos haveriam sempre de produzir o mesmo, e mais barato. Havia de utilizar o know-how de décadas para produzir esses bens com maior valor acrescentado, e ousou-se, com sucesso, jogar na mesma liga da Itália. Fascinante!. Com um Markting agressivo e com novos modelos de gestão, o novo produto era muito mais apetecível. E mais caro. Cada hora de trabalho gerava um valor muito superior ao gerado no pretérito. Oxalá o seu exemplo faça escola.

E a nossa Escola, essa formadora de capital humano que, antes de mais, forma pessoas, forma cidadãos? Quem julga que ouvirá neste blog críticas pessoas a políticos e/ou a movimentos associativos ou sindicalistas, perde o seu tempo. Neste blog discutem-se ideias, não pessoas. Nessa linha, não quero nem vou referir-me ao conflito entretanto reaberto pela enésima vez entre sindicatos e a tutela, a propósito da prova de aptidões e competências que, apesar de tudo, serviu de mote para esta reflexão. Não tenho capacidade, e em bom rigor também me falta a vontade, de discutir se a prova deve ou não ser feita, nos moldes, com o teor e nas circunstâncias em que esta foi feita, embora me pareça evidente que a entidade patronal, quando antevê que vá ter um grande número de candidatos para um número reduzido de vagas, deva ter o direito de impor previa e publicamente as condições em que essa escolha vá ter lugar. E não me parece que a tentativa de alguns colegas boicotarem a prova e limitarem a possibilidade de, em liberdade, colegas seus poderem escolher fazê-la ou não, contribua para uma imagem que deveria ser de rigor e de disciplina, para dar o exemplo, e não de amotinação e desobediência. É certo que foi um ínfima parte da classe, e esse aspecto tem de ser aqui reforçado, mas uma classe determinante para o futuro do País que se quer ver respeitada e estimada pela comunidade e pelos alunos, não se pode expor desta maneira sem esperar ser atingida pelos estilhaços da deflagração, da detonação que esses actos provicam. O Ministério não sai ileso de críticas neste processo, mas a história não foi diferente com os últimos Ministros ou com os últimos governos apoiados por maiorias parlamentares diferentes da actual, o que se levanta a interrogação seguinte: serão as diferentes tutelas, portadoras elas mesmas de diferentes sensibilidades e advindas de diferentes sectores da sociedade, as únicas culpadas dos processos contenciosos frequentemente abertos e reabertos no passado próximo? Fica a questão.

Sejamos francos. Contra uma explosão no número de formados no ensino superior para ingressarem no ensino, opõe-se uma diminuição brutal do número de alunos, tendência que vem já do final da década de 70 e que se tem vindo a agravar nos últimos anos. A fórmula composta pelas variáveis «mais professores» e «menos alunos» parece indicar-nos o óbvio: há cada vez menos trabalho para um número crescente de professores, e este é um facto indesmentível, porque factual.

Deixando de lado a questões corporativas e focando o objecto deste artigo, o principal problema reside, quanto a mim, na necessidade imperiosa de mudar o paradigma em que operamos para nos tornarmos mais competitivos. Se não o fizermos a bem, agora, vamos ser provavelmente forçados a fazê-lo à pressa e à bruta, sem possibilidade de planear e de gerir eficientemente essa transição. As condições que fomos forçados a aceitar pela Troika em 2011 poderiam ter sido suavizadas se não nos tivéssemos apresentado às instâncias internacionais praticamente falidos, e um falido não negoceia, não impões condições, como impôs a Irlanda na manutenção do IRC. Enquanto andamos a discutir se os nossos filhos devem ou não trazer trabalhos para casa - coitados! -, outros discutem qual o número de horas que os jovens devem dedicar à escola em casa, de forma a prepará-los para um futuro ultra competitivo. Enquanto entre nós se continua a aceitar quatro meses de férias para a quase totalidade dos estudantes - um calendário essencialmente agrícola completamente ultrapassado -, outros discutem já sua diminuição de forma rápida. Enquanto entre nós o universitário com mais matrículas é visto como um exemplo e admirado pela comunidade estudantil, noutra parte do mundo ele é ostracizado por brincar com o dinheiro dos contribuintes e por tirar uma vaga a alguém que a soubesse apresentar. Enquanto que noutros pontos do globo o ensino permite, e admite, que estudantes diferentes progridam a velocidades diferentes, entre nós esse conceito sofista tão caro à tradição moral republicana que é a Igualdade, obriga todos os estudantes a andarem à velocidade do mais lento. Enquanto que outros países perceberam já que é introduzindo concorrência no sistema - concorrência entre público e privado e entre escolas do próprio sector público -, no nosso canto à beira-mar plantado insiste-se na manutenção de uma estrutura monolítica que está a roubar, sem que ninguém se aperceba, o futuro do País. Enquanto que noutras paragens se não confunde direito ao ensino com ensino fornecido pelo próprio Estado através de escolas Estatais, entre nós continua-se a chamar todos os nomes e mais alguns àqueles que só querem colocar os filhos na escola que mais garantias lhe dê, sem pagar mais do que já paga para o sistema público que financia com os seus impostos: seria o cheque-ensino. Tudo isto tarda em ser discutido com rigor, com verdade, com lealdade. Tudo isto tarda em ser aplicado, não porque não se saiba que iria melhorar o ensino, mas porque se acha que iria ser difícil consegui-lo.

Mais: alguém percebe como pode um professor com 30 anos de serviço, um docente cuja experiência o torna um activo valiosíssimo para a escola e para a sociedade, ter um horário zero e, ao seu lado, tem um professor contratado? Alguém percebe o caótico e anárquico regime de colocação de professores, que frequentemente opõe professores do quadro a contratados e que causa níveis de fricção e desgaste na classe docente provavelmente evitáveis? Consegue alguém entender porque é que os próprios alunos do secundário, ao perceberem a extrema dificuldade que representa exercer a profissão de professor, se continuam a inscrever em massa nos cursos superiores habilitantes? Pode alguém perceber porque é que, havendo professores com horário zero ou parcial, não é criada uma bolsa de explicadores que evitasse que os alunos que têm menos recursos, bem como os demais, pudessem ter explicações na própria escola? Creio que todos sabemos a resposta, e importa que percebamos de uma vez por todas que urge agir ao invés de desviar o olhar.

Temos, portanto, dois caminhos à nossa frente: ou mantemos tudo como está e arriscamo-nos e ser varridos do mapa por quem seja mais instruído e competitivo que nós e, mais grave, insultados legitimamente pelos que hoje não estamos a preparar e a disciplinar convenientemente, os nossos filhos; ou então fazemos o que importa fazer, doa a quem doer e custe o que custar, sem calculismo e sem calendários eleitorais a toldar-nos o raciocínio.


É simples, tudo o que tem de se fazer é decidir. E arcar com as consequências.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

A família e o Estado: retrato de um casamento calamitoso

O post de André Abrantes Amaral no insurgente é, a meu ver, um fidelíssimo retrato do estado geral a que chegámos. E recordando as palavras de Salgueiro Maia quando tratava de motivar a tropa que o acompanharia na noite de 24 de Abril da E.P. Cavalaria de Santarém rumo ao terreiro do Paço, «há três tipos de Estado: os Estados Capitalistas, o Estados Comunistas e o estado a que chegámos». Este foi e é o estado a que chegámos. E sim, as maiúsculas e minúsculas diferenciam o que é diferente.

Contra o Estado do Deus, Pátria, Família do Estado Novo, um Estado que não sendo confessional como o Espanhol ou totalitário como o Italiano e, em muito maior dimensão, o nacional-socialista Alemão; o Estado da Terceira República Portuguesa é amoral. Ao olhar para trás, preferiu não impor uma teia de valores e esqueceu que a poderia sugerir, não por sua iniciativa, mas deixando a sociedade civil discuti-la. Para ele, Estado, bastava recolher-se e deixar as pessoas pensarem e decidirem. Mas não. Do alto da seu bem conhecido pedestal moral - porque coactivo, acrescente-se -, o Estado não só não ousou sugerir ou impor, como não permitiu que na colectividade as instituições formadas por homens livres ousassem propô-las. Fascistas eram o nome porque temiam ser chamados. Ao invés de assumir o risco de serem incompreendidos e esperarem que o tempo lhes desse razão, como fazem os grandes homens de Estado, preferiram o facilitismo, preferiram o curto-prazo, preferiram o ciclo legislativo de 4 anos findo o qual os dados não novamente lançados e tudo muda. Normalmente para pior.

O Estado esquece que sem âncoras morais nenhuma sociedade se mantém. Neste mundo em que «tudo» é relativo, famílias com filhos são tratadas de forma igual ás que não têm. Faz sentido. Num Estado mínimo, sem segurança social ou instituições providenciais algumas, faria todo o sentido. Mas neste Estado Social, neste Estado meio-colectivizada, em que as externalidades das acções e/ou omissões de uns se abatem sobre todos os demais, neste Estado em que as contribuições dos que trabalham servem para pagar as pensões/jubilações/reformas/aposentações - ufa!!! - na esperança, repito, NA ESPERANÇA, de que os que se seguem façam o mesmo; neste Estado, faria todo o sentido que sobre as famílias com filhos recaísse uma descriminação fiscal positiva, como agora se diz, porque os que não têm filhos podem aforrar substancialmente mais dos que aqueles que criam os que lhes irão pagar a reforma dos que não se dão ao trabalho de os ter. Esta é a contradição do arranjo: o Estado, tendo em conta o sistema que impôs aos cidadãos, tinha a obrigação de proteger a instituição família ao invés de a desprezar. E passados tantos anos, nem esta lição parece ter aprendido.

Quando alguém disser que a própria existência de um Estado Social não limita a liberdade das pessoas a terem ou não filhos, a argumentação acima apresentada invalidará, a meu ver, rapidamente o juízo. E, já agora, explica porque é que o aforro das famílias desceu abruptamente em 40 anos, poupanças essas tão necessárias para investir em capital fixo que tão urgentemente necessitamos. Quem discordar desta análise não deve apresentar como argumento que no passado era mais fácil poupar do que agora, porque não era.

Todos nós temos valores partilhados, a isso chamaríamos a moral colectiva. Temos também um conjunto de valores que resultam da nossa própria visão, do nosso próprio ponto de vista, e que ganham forma na ética que, como sabemos, é uma reflexão sobre a moral. O problema foi que cada vez que havia um golpe de Estado a que, normalmente, se seguia uma mudança de regime, o código moral imposto, e não o aceite por todos de forma não coactiva mas consuetodinária, muda ele também. Foi assim com o feroz anticlericalismo da I República por contraponto à força apresentada pela religião de Estado que era a católica na Monarquia, é assim com a família na III República quando comparada com o papel que esta instituição tinha na II República. Quando nos perguntamos por que é que a Espanha, estando num ponto desenvolvimental semelhante ao nosso no pós segunda guerra mundial, se descolou de nós de tal forma que o seu grau de desenvolvimento é hoje incomparavelmente superior; devemos lembrar-nos desse «assombro ao mundo» que representou a sua transição quando comparada com a nossa revolução. Goste-se ou não da instituição monárquica, e assumam-se os escândalos que aqui e ali teve, tem e terá - e que, diga-se, com uma irrepreensível frieza e sentido de Estado tem sabido debelar -, ela corporiza um conjunto de valores que não mudam de 4 em 4 anos, ela assume um conjunto de princípios que, sendo apartidários, são políticos e são morais, e assume-os sem medo, sem pudor, sem sentimento de superioridade, sem essa mescla de indiferença progressista e marxizante, sem querer assumir uma isenção partidária que quem liderou um partido não pode jamais assumir e sem um pseudo amoralismo que, pela sua vacuidade, pode ainda ser pior do que uma base moral com a qual discordemos.

A família é um pilar do indivíduo, da sociedade, não propriedade do Estado. A família não é um factor de produção que possa ser manobrado quando dá jeito e esquecido, deitado fora como um trapo, quando as circunstâncias mudam.

A família é o Pilar da colectividade, e são os indivíduos que a formam que se agregam voluntariamente para formar uma arranjo político-jurídico-institucional a que se convencionou chamar Estado porque entendem que essa é a melhor forma de gerir a vida em sociedade. Quando o Estado se transforma num leviatã que acredita que as pessoas são apenas livres porque ele o permite e não porque a sua própria natureza se encarrega de as assim trazer ao mundo, quando o Estado criou por décadas e em gerações inteiras a ideia de que a sua vida lhe pertence, quando o Estado se permite ao desplante de pedir mais filhos para não fazer as mudanças estruturais que a Administração necessita urgentemente para evitar a mais que provável insolvência deste estado, deste Estado Social baseado em argumentação mais populista que de racionalidade económica; então este Estado não pode esperar das pessoas outra sentimento que não aquele que ele mesmo nutre por elas: desdém.

Façamos o que se impõe, mudemos o que é urgente mudar: preparemos o futuro dos nossos filhos e não os façamos assumir contas resultantes dos erros do passado.

Ontem era já tarde. Amanhã será tarde demais.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas - Bastiat e a minha visão do Liberalismo Clássico

Na sua intelectualidade refinada, Frédéric Bastiat resumiu numa expressão, de resto impecavelmente condensada, uma quantidade de informação tão densa e de tão grande relevo que se torna difícil discorrer sobre ela sem que omitamos pontos que eventuais leitores considerem falta grave ou cuja deslembrança não possa configurar, para si, um verdadeiro crime de lesa majestade. De idêntico modo, será também fácil atribuir-lhe significados que o autor não terá assumido aquando da sua formulação, razão pela qual entendo que a realização deste simulacro reflectivo deverá assentar sobretudo no meu próprio ponto de vista. Evita-se assim não só a desfocagem do original, ou o que quer que uns tantos pretensos herdeiros morais da sua tradição liberal entendam por «original», esses ditos verdadeiros representantes de uma estranha «nomenklatura» de liberais que gostam mais de arrebanhar do que aplicar os princípios de liberdade que tão prontamente defendem; mas também, ou sobretudo, expressar o meu próprio ponto de vista sobre a temática sobre a qual me proponho discorrer.


Assumindo que a assumpção desse risco, dessa forte possibilidade de me ver ver incompreendido faz parte da vida, creio ser importante que liguemos a ficha que nos alimenta à tomada da razão que, pelo que vejo, ou tem estado desligada ou curto-circuitou. A este respeito, devo confessar que foi o uso desse instrumento que o racionalismo continental miscigenado com o empirismo insular sintetizado pela majestático criticismo Kantiniano nos legou, que nos permitiu lançar as bases para o período maior expansão comercial e industrial que a historiografia até então havia registado. Foi com o auxílio da razão, da lógica, da coerência epistemológica, foi através da negação da lenda, do dogma e dos postulados inquestionáveis impostos pela minoria dominante à maioria ductilizada e submissa, que a liberdade se impôs e que o Liberalismo vingou. Foi o século da luzes, a que seguiu o século das revoluções Liberais. Foi acabando com o Lordismo feudal com que poucos agrilhoavam muitos, foi extinguindo direitos hereditários que a sociedade não podia já tolerar e contra os quais se insurgiu, foi eliminando proteccionismos vários com que alguns mantinham o seu stautus quo de privilégio à custa da manutenção dos demais na ignorância e na miséria, que a sociedade avançou, que a liberdade ousou vingar. O sucesso passou a medir-se cada vez menos pelo berço e mais pela perseverança, pelo mérito, pelo valor do agente e pela força das suas ideias no mercado. Os que não nasciam entre a aristocracia e que, contra todas as probabilidades, venciam, não admitiam que lhes não fosse reservada representação política consistente com a sua importância. Foram estes, e não os outros, que acumularam o capital necessário para das inicio às revoluções industriais. Foram estes que permitiram a milhões sair do estado de pobreza absoluta em que se encontravam. Foram este que criaram excedentes sistematicamente reinvestidos na actividade produtiva reprodutiva - sim, há actividade produtiva não reprodutiva - que fizeram com que mais pessoas vissem melhorada a sua vida e a dos seus. Foram estes e não o Estado, foram estes e não decretos, foram estes e não um conjunto de palavras bonitas, mas vazias, porque não lastreadas em qualquer substracto económico validável, que moldaram o mundo em que vivemos. Em toda a história nunca um ideário, nunca um corpo filosófico-político não coordenado, não combinado, não superintendido, transformou de forma tão profunda, tão demarcada, o futuro dos povos e das nações. Nunca um movimento desligado e não comandado mudou tão indelevelmente a sociedade como o Liberalismo. E fê-lo aumentando de forma nunca antes vista a qualidade vida  dos cidadãos, fê-lo abrindo barreiras até então intransponíveis para os que não tinham voz ou que não ousavam usá-la, por medo ou por temor. 

É isto o Liberalismo: colocar no centro o indivíduo, o homem, com os seus defeitos e com as suas virtudes, um ser livre, não comandado, não ordenado, que age com base nos seus interesses, sim, há que assumi-lo. Quem tem isso de mal?

O grande legado do Liberalismo, o  toque de midas, o seu maior insight, foi ter percebido que o mercado induz no indivíduo a percepção que é do seu interesse cooperar com os seus pares, ainda que o agente, por outras quaisquer circunstâncias, o não quisesse fazer. O primeiro grande erro do mundo contemporâneo foi ter-se espalhado a virulenta percepção, mesmo de entre as democracias liberais, que há quem saiba o que é melhor para nós, que há outros que têm a responsabilidade de - vejam, outros carregam por nós a responsabilidade! - se preocupam por nós e, em última instância, que há alguém que carrega o sempre pesado fardo de decidir o nosso destino individual e colectivo. O segundo grande erro é gostarmos disso. O segundo grande erro foi aceitarmos que decidam a nossa vida sem quase termos força para nos opormos. O terceiro foi termo-nos habituado, e vivermos bem com isso.

Quando nos perguntamos porque temos hoje crises globais, quando nos questionamos porque têm as democracias ocidentais os gravíssimos problemas de endividamento público e externo, de sustentabilidade das finanças públicas, de pagamento de pensões, de demografia ou de competitividade para com os mercados emergentes, temos que nos lembrar que a economia é tão feita de ciclos de crescimento e de retracção como a bolsa se compõe de períodos bear e bull market. Contudo, quando o processo de tomada de decisões se encontrava atomizado, quando as deliberações eram tomadas de forma desconcentrada e descentralizada pelos agente económicos no mercado, qualquer crise resultava na obrigação de reestruturação da empresa, adaptando-a à novas condições em que o mercado passava a operar, ou na sua falência. Raramente estes acontecimentos tinham consequências sistémicas. Por cada empresa que caía, duas se levantavam: o mercado resolvia rapidamente as suas ineficiências e recuperava rapidamente as suas perdas. E, de repente, como nos disse Jean Guéhenno, o equilíbrio rompeu-se. Com a dispersão metástica por entre todas as áreas da sociedade civil de políticas públicas frequentemente tanto invasivas e desajustadas quanto deformadas e extemporâneas, e com o colectivização e internalização de decisões cuja assumpção de risco passou dos agentes económicos que operavam no mercado directamente para o controlo Estatal; tudo mudou. As cíclicas crises cujo impacto no pretérito o mercado aguentava e da qual rapidamente recuperava, tornam-se hoje, porque o processo de tomada de decisões se viu concentrado e burocratizado, fenómenos passíveis de fazer ruir sistemas inteiros, sistemas esses que foram sendo construídos em cima de palavras bonitas, de promessas vãs que o dinheiro que entretanto não foi gerado pelo anémico crescimento económico medido, não puderam nem podem pagar. E os cidadãos acreditaram no que lhes contaram. E os cidadãos não querem acreditar que o que lhe contaram era incumprível, embora o saibam. Vivemos ainda em negação, pelo que teremos que passar pela raiva, pela negociação e pela depressão antes de chegarmos à quinta de cinco fases do luto que é a aceitação. Temos pela frente um grande caminho. 

Está na altura de falarmos verdade. Estaria na altura de devolver aos cidadãos a liberdade entretanto perdida. Estaria na altura de retirar o colete de forças dos que têm vontade de avançar e se vêem presos pelos que se querem manter imóveis. Digo estaria porque várias gerações viveram já numa sociedade semi-colectivizada que deixou marcas profundas na nossa memória colectiva, uma colectividade em que as consequências dos nosso actos, se e quando individualmente considerados, são frequentemente dispersas pela comunidade em geral. Este histórico marca desde então fortemente a nossa relação com a liberdade, até porque ela pressupõe responsabilidade. 

O grande desafio do Liberalismo contemporâneo é pois fazer a apologia da liberdade, fazendo-nos crer, como nos dizia Goethe, que «ninguém é mais escravo do que aquele que se julga livre sem o ser». Convencer alguém a deixar de ser esse escravo que se submete, que oferece a sua liberdade em troca de uma pretensa protecção contra a as adversidades da vida, ainda para mais num sistema providencial que sabemos estar perto do colapso, mas que ninguém se atreve a propor alterá-lo; é oferecer-lhe um lugar numa fusta com uma vela e com um leme que o pode levar onde quiser. Basta aprender a pilotá-la. Basta que queira aprender a pilotá-la. Basta que não queira ser mais pilotado.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Índice de Liberdade Económica: confiável?

Para os que julgam que o Índice de Liberdade Económica se mede pela quantidade de desregulamentação Estatal que não pode produzir outra coisa que não bolsas de pobreza e o aproveitamento do povo por parte de quem detém o capital, fica uma explicação séria e isenta sobre o que é isso de Liberdade Económica e quais os Países que ocupam os lugares cimeiros. E porquê.

Uma vez olhados os primeiros classificados, e qual a qualidade de vida que se usufrui em cada um deles, ficará ao critério do leitor achar que ocupar os lugares cimeiros no ranking benéfico ou se, pelo contrário,  deve ser algo a evitar.

O QUE É?


O Índice de Liberdade Económica mede o grau em que as políticas e instituições de um país apoiam a sua liberdade económica. Os pilares da liberdade económica são escolha pessoal, troca voluntária, liberdade para competir, e garantia da propriedade privada. Quarenta e duas variáveis são utilizadas para construir o índice e medir o grau de liberdade económica em cinco grandes áreas:

  1. Tamanho do Governo;
  2. Sistema Legal e Direito de Propriedade;
  3. Dinheiro Confiável;
  4. Liberdade de Comercializar Internacionalmente;
  5. Regulação.

O QUE É LIBERDADE ECONÓMICA?

Os elementos-chaves da liberdade económica são: a escolha pessoal; b) troca voluntária coordenada por mercados; c) liberdade para entrar e competir no mercado; e d) proteção de pessoas e suas propriedade de agressão por outros.
Estes quatro pilares indicam que a liberdade económica é encontrável quando os indivíduos são permitidos escolher por si mesmos e encetar transações voluntárias enquanto eles não causarem danos as outras pessoas ou às suas propriedades. Enquanto indivíduos, têm direito à sua própria vida, talentos e recursos, e não têm direitos algum a limitar os direitos dos outros.
Portanto, indivíduos não tem o direito de se assenhoriarem coisas dos outros ou demandar que outros provenham coisas para eles. Uso da violência, fraude e ofensas à integridade física não são permitidas e, ao invés disso, o0s cidadãos são livres para escolher, trocar e cooperar com outras pessoas – e competir caso seja do interesse. Numa sociedade economicamente livre, o principal papel do governo é proteger os indivíduos e sua propriedade de agressão de terceiros. O ILE foi criado para medir a extensão com que essas instituições e políticas estão consistentemente sendo asseguradas por um determinado país.

POR QUE É IMPORTANTE MENSURAR A LIBERDADE ECONÓMICA?

Construído a partir da obra dos laureados Nobel Friedrich Hayek e Douglass North, tem-se verificado uma explosão de investigações acerca do impacto de instituições económicas, políticas e legais na performance de países durante as duas últimas décadas.
Economistas referem-se a este corpo da literatura como Nova Economia Institucional. Esta pesquisa ilustra que as instituições exercem um grande impacto nas diferenças entre países em relação a renda per capita e crescimento económico. Outros fatores, incluindo características culturais, clima e local podem também ser importantes, mas atributos institucionais geralmente têm mais poder de explicação. O debate continua sobre o conjunto de instituições mais importantes para o processo de crescimento e a relação de causa e efeito entre vários arranjos políticos e económicos. Pesquisas indicam que as instituições económicas exercem um impacto mais forte e consistente no crescimento económico do que a democracia política. Entretanto, os dois podem ser complementares. O caminhar em direcção a uma estrutura política mais democrática frequentemente costuma antecipar reformas económicas. Isso tem levado ao debate sobre como o ordenamento das reformas políticas e económicas influenciam a performance e porque reformas ocorrem em alguns países, e não em outros.
A Nova Economia Institucional destaca a importância do projeto Liberdade Económica do Mundo. Os dados do ILE constituem a mensuração mais completa do grau em que os países permitem que a alocação de recursos ao mercado tende a ser mais eficiente. Obviamente, uma medida confiável do grau de importância que os países atribuem ás instituições de mercado, consideradas como o player fundamental do jogo económico, é central no auxílio aos esforços de pesquisadores em demonstrar a importância da liberdade económica e das instituições políticas como determinantes dessa mesma performance.
FONTE: http://liberdadeeconomica.com.br/o-que-e
Para ver a evolução do índice de todos os países do mundo nos últimos anos, clique aqui.

Protocolo de Quioto e a competitividade Europeia

Descobrimos agora que os problemas deste País se resolvem com impostos. Hoje de manhã levantei-me com uma dor de cabeça aguda e, ao invés de uma aspirina, deu-me para pensar se o meu problema se resolvia com um shot de impostos e contribuições – a contribuição não é, por definição, um acto voluntário?!?!?. Só a ideia curou-me logo. Aliás, se tivéssemos bom-senso, ao invés de encomendar-mos estudos que invariavelmente acabam com propostas de aumento de taxas, aumentávamos-las logo e poupávamos a maçada de ter de ouvir a comissão a vender moralismos que não pedimos, como se vivêssemos na Dinamarca, e tivéssemos uma classe média pujante que, vistas satisfeitas todas as outras necessidades, se preocupasse agora com questões ambientais. Mas não estamos lá. Nem a caminho sequer.

De resto tudo isto é lógico. Os dois principais poluidores do mundo não ratificaram o protocolo de Quioto – China e EUA, responsáveis por cerca metade da poluição gerada no mundo, estão fora do protocolo ou, no caso deste último, beneficiam de condições especiais por se tratarem de países em vias de desenvolvimento -, e até o Canadá abandonou o protocolo, não só por se arriscar a pagar multas gigantescas pelo incumprimento, mas também por ser ironicamente um dos países que mais tem a ganhar com o aquecimento global.

Recentrando-nos no tema em análise, o que é curioso constatar é que a economia Europeia é tão competitiva que se pode dar ao luxo de se auto impor um custo – mercado de carbono – que os seus principais competidores ou não suportam – EUA – ou a quem lhe foi dada liberdade para poluir durante um largo período de tempo baseados no argumento de estarem em desenvolvimento – China, Índia, Indonésia, Brasil e Rússia -. As consequências são claras: como os mercados de commodities tendem a ter preços muito semelhantes para todos os países produtores, a produção na Europa vê-se ainda mais afectada porque, para além de suportarem factores de produção já mais agravados – factor trabalho pelos custos impostos pelo Estado Social -, são ainda obrigados a pagar energia mais cara pois não podem fazer como a China, a Índia ou o Estados Unidos que queimam carvão, um fonte primária de energia muito poluente, mas barata, o que embaratece em muito o custo final do bens ou serviços por si produzidos.
Tudo vai pois bem no nosso reino. 

Ah, não se esqueçam. Sendo o mundo todo o mesmo, vale de pouco nós pouparmos a nossa parte da camada do Ozono quando os outros a destroem. É que como ela não tem fronteiras, podemos estar a dançar uma música quando todos os outros já dançam a seguinte. Estamos sozinhos na pista, mas não importa: a nossa autoridade moral paga-nos as contas.

Mas, se puderem, digam lá a verdade: querem subir as taxas, os impostos ou, como vai sendo moda dizer-se, as contribuições – ?!?!? -?

Arranjem outro argumento, porque este do ambiente já não cola.

Tópico relacionado - Post de João Cortez no Insurgente

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Capitalismo à Portuguesa: das origens à actualidade

O mais recente post de André Abrantes Amaral, no Insurgente, é extremamente interessante porque traz de novo à colação um assunto que, quer pela sua seriedade, quer pela sua importância, deveria merecer da nossa parte a nossa melhor atenção. Falo do modelo económico identificável em Portugal. Como disse Nixon, três anos depois da massa monetária em circulação deixar de estar lastreada num metal precioso e poder ser a todo o tempo convertida, e naturalmente trocada, por uma determinada quantidade de ouro – o chamado padrão-ouro -;  «somos todos Keyneseanos».  Todos não, diria eu, porque só são os que podem.

Vamos por partes. A Monarquia Constitucional herdada das revolução liberal que abanou o País já fortemente deprimido pela fuga - ou manutenção do governo no exílio, como preferirem -  da Família Real, e ulterior vazio de poder, pelas guerras napoleónicas e pela longa e penosa regência Inglesa, permitiu que fossem criados alguns conglomerados comerciais/industriais frequentemente ligados à aristocracia, ou por ela protegidos, ou que fossem beneficiadas certas famílias que haveriam de construir impérios herdados pelas sucessivas gerações das mesmas, algumas das quais perduram com grande influência nos sectores do poder até aos dias de hoje. Até aí nada contra, acontece em todo o lado, e faz parte do processo normal sempre que uma economia inicia um processo de industrialização que, no nosso caso, foi já tardio. O livre mercado e a competição entre produtores pelo «favor» dos clientes haveria, pelo caminho, de eliminar esses privilégios e equilibrar o nível competitivo. Em teoria, pois a história foi outra, como de resto sabemos.  Pelo caminho fomo-nos ainda deixando enganar por teorias económicas vendidas por estrangeiros que, desde sempre, conseguiram enfeitar postulados de consistência duvidosa e enganar um povo que tem um desdém pavoroso pelo que produz e uma paixão alucinante pelo que vem de fora. A este respeito a teoria da vantagem comparativa de David Ricardo era um disparate pegado, pois se Portugal era mais eficiente na produção de vinhos e de tecidos na Inglaterra, porque não produzíamos tecidos e vinhos? A concórdia deve existir entre empresas de países diferentes cujos Estados controlam o que se pode e não se pode produzir e em que quantidades? Entre empresas que deveriam competir? E nós assinámos aquilo? O livre mercado só se deveria aplicar quando dava jeito à Inglaterra? A Inglaterra, à conta de vender banha da cobra a estrangeiros que adoravam a aura que reluzia naqueles distintos e impecavelmente engomados gentleman's ingleses, conseguiu criar o maior império da história. E dar mais uma facada no nosso, embora aí a culpa tenha quase sempre sido nossa. Adiante.

Da I República nem se pode dizer muito. Quis ir tão longe e tão depressa em tão pouco tempo que acabou por não ir a lado nenhum. A imprudência e fraqueza dos seus governos, quando aliada à falta de experiência governativa e à dificuldade de se ver reconhecida na cena internacional, obrigou-a a um esforço financeiro gigantesco para conseguir enviar para os campos de batalha da Flandres o Corpo Expedicionário Português, naquilo que ficaria conhecido como o «Milagre de Tancos». Mal o menos: mantivemos o Império Colonial, embora ache que a manutenção dele nos terá impedido de darmos o salto que deveríamos ter dado na produção de bens e de serviços de valor acrescentado, mantendo um sistema produtivo bastante primitivo com capital fixo também ele arcaico.

À desgraça da I República, com governos que duravam quinze dias, seguiu-se outra desgraça: a da II República. Para além de continuar a ser mantido um modelo produtivo relativamente fechado que girava em torno do comércio de bens e de serviços negociados entre o Portugal Metropolitano e as então Províncias Ultramarinas, como já vimos com pouca intensidade de capital e alta concentração do factor trabalho, facto que desequilibrava completamente os níveis de eficiência que devem ser procurados alcançar entre todos os factores de produção; aos Portugueses não foi dada a oportunidade de se instruírem em massa. Nem a oportunidade de, ombreando com os melhores num mercado aberto à escolha levada a cabo pelo Darwinismo de Mercado, fazermos a diferença e alterarmos o nosso tecido produtivo, não apenas através do investimento (re)produtivo, necessariamente alocado a capital fixo, mas também circulante, uma vez que apenas a diversificação das fontes de aquisição de matérias-primas, tida como condição essencial para concretizar essa modificação, só seria possível se o Império não fosse a prioridade absoluta, o que era dificil de alcançar num tempo - guerra colonial - em que o País era votado ao isolamento e ao ostracismo internacionais.

Os principais conglomerados industriais e comerciais da altura beneficiavam de uma certa teia proteccionista do regime, e o regime contava com eles para não atacarem o poder instalado. O medo da ameaça comunista era a cola que juntava uma já de si provável fusão simbiótica entre um regime que precisava de aliados que o cimentassem e um tecido empresarial pouco habituado a concorrer no exterior e a quem interessava mais a calmaria ditatorial que a competição pelo favor dos clientes. Lembremo-nos da proibição do uso de isqueiros com o argumento de proteger a indústria fosforeira nacional - ainda bem que não se lembraram de proibir viaturas com motores de explosão a favor dos criadores de burros de Trás-os-montes ou de cavalos do Ribatejo -. Apenas alguns privilegiados e alguns próximos dos homens do regime, dentre aquela que pode ser chamada de aristocracia republicana, tinham aspirações a frequentar a academia. É verdade que havia uns apadrinhamentos e algumas bolsas de mérito para estudantes pobres, mas essa era a excepção, num País onde a manutenção de elevados de iliteracia eram a regra que permitia servir simultaneamente dois propósitos: a manutenção de um desejo de status quo no seio conjunto de pessoas sem massa crítica e capacidade de discernimento liberal e a preservação de um modelo social baseado no «Deus, Pátria e Família» que nos fez perder o comboio da globalização. Se juntarmos a isto o facto de os principais investimentos serem feitos no Ultramar e não na Metrópole e de gastarmos 25 % do PIB em funções de Defesa, então podemos ter uma ideia do quadro pintado naquela altura em que nos devíamos ter preparado para o embate asiático. Mas, como de costume, não o previmos e não preparámos. Ainda que o tivéssemos previsto, também não nos teríamos preparado como não nos preparámos com o choque a leste depois da queda do muro de Berlim. É assim a vida. Somo bons no desenrasque, mas péssimos no planeamento.

A III República começou bem. Pouco depois da revolução, começa um complicado jogo de esquerdização da vida política que tem como ponto alto a nacionalização de grande parte do sector produtivo com consequências gravíssimas cuja conta ainda hoje nos é servida. Para além de termos perdido a capacidade produtiva efectiva em vários sectores de forma imediata, anos de greves, de paralisações e gestão de trabalhadores haveriam de desmontar sectores-chaves nos quais, do dia para a noite, deixámos de ser competitivos. Para nunca mais o sermos. A indústria de construção naval, química e metalomecânica são alguns exemplos. Mas, mais do que isso, porque como a maioria de nós sabe, a economia vive sobretudo de expectativas - expectativa que a seguir ao investimento o caminho natural é contar com a sua rentabilização, materializada naturalmente na obtenção de lucros líquidos -, e quando se dá a ideia ao estrangeiro que todo o investimento aplicado em Portugal corria o risco de se nacionalizado, das suas fábricas se verem paralisadas pela intervenção de sectores radicais, de a Administração ter dificuldade em normalizar a vida política e de a legislação estar muito pouco
preocupada com a segurança jurídica do investimento empregado; então é praticamente impossível atrair o investimento estrangeiro que necessitávamos tanto para podermos reerguer-nos. Lembremo-nos que no entretanto 800 000 Portugueses haviam sido repatriados nessa mesma altura e a situação do País era tão aflitiva que tivemos de pedir assistência internacional em 1977 e 1983. Mais, a situação a seguir ao 25 de Abril era de tal maneira crítica que Kissinger, Secretário de Estado de Nixon e Gerald Ford, dava já Portugal como perdido para os comunistas, esperando que o efeito do coup funcionasse como uma vacina para as transições de Espanha e da Grécia.

É só depois das negociações levadas a cabo para a entrada na União Europeia em 1986 e com a revisão constitucional  de 1982, que as privatizações se tornam uma imperiosa necessidade. Como o investimento externo não fluía - conseguem imaginar porquê, hum?!? -, foi-se ao Brasil tentar vender aos legítimos proprietários o que lhe havia sido expropriado aquando da revolução. Falo das famílias Mello, Champalimaud e Espírito Santo, culpados do crime único de gerarem riqueza e prosperidade. Porque muitos deles não tinham capital suficiente para comprarem o que era seu, endividaram-se grandemente para o conseguirem - talvez essa engenharia financeira, quando agregada a alguns disparates gestionários entretanto cometidos, explique por exemplo o caos das Holdings da Família Espírito Santo -, formando muitas vezes novos aglomerados em sectores frequentemente diferentes daqueles nos quais originalmente tinham estado envolvidos, o que dá prova da sua tenacidade e da sua capacidade empreendedora. Apesar de tudo, se não se tivessem endividado tanto, talvez fossem empresas mais solventes e mais capazes de competirem no exterior e de se internacionalizarem. E este é o ponto-chave. O Estado, provavelmente por um complexo moral, provavelmente por interesses e ligação entre a política e a economia -estas por provar, atenção - que não interessam para o caso, foi sempre muito compreensivo e permissivo com algumas das suas reivindicações, o que não ajudou o Estado - por razões evidentes - nem as empresas, que perderam parte do incentivo para se modernizarem e se reestruturarem sempre que as necessidades do mercado, i.e., dos consumidores, assim o determinassem. Isto explica ou pode explicar que o retorno do investimento público, que em muitos casos foi apenas «alavancado» pela banca, - quer isto dizer que a banca apenas financiou uma pequena parte desses investimentos - tenha feito recair sobre esta última uma parte desproporcional dos lucros que, ainda por cima, resultaram frequentemente de contratos com rendas certas e permanentes onde o risco do investimento estava todo do lado do Estado, cujo melhor sinónimo que encontro é «sobre os ombros do contribuinte», e nenhum do lado da banca ou das empresas por si participadas ou por ela financiadas. As parcerias público-privadas são uma óptima solução em Países onde os contratos são feitos por duas partes bem informadas, e foram diabolizadas como sendo um ataque do «capital» contra o pobre e desafortunado Estado. Não. Aquilo que é desigual é a qualidade dos advogados e juristas presentes em cada lado da barricada ou, para ser mais preciso, dos incentivos envolvidos na transacção. Não se pode querer os melhores pagar-lhes como se de regulares de tratassem. E para quem tem dúvidas dos méritos de uma PPP bem negociada, repito, BEM NEGOCIADA, vejam o caso de Sandy Springs, em Atlanta, Georgia, EUA. A juntar a isto tudo, e note-se que creio ter já tentado explicar o porquê deste Capitalismo à Portuguesa viver invariavelmente à sombra do Estado - que fazem os bancos Portugueses quando se unem para comprar dívida pública Portuguesa, com risco de incumprimento apesar de tudo elevado, senão para fazer um favor ao Estado que terá de ser pago, provavelmente, com PPP's com condições favoráveis? -, criou-se o risco moral, e já agora compreensível, de todas as empresas se julgarem no direito de recorrerem ao Estado sempre que a coisa se anuncia poder vir a correr mal. Até as multinacionais que se cá instalam não vêm sem ir ao Saldanha contratar a melhor firma de Advogados para assinar com o Estado Português um complexíssimo contrato de fixação, no qual uma vez mais os incentivos para a boa conclusão do processo radicam nestes últimos e nunca nos servidores do Estado, contrato esse no qual os impostos dos Portugueses financiam a competitividade dessas empresas no estrangeiro, através de uma miríade de isenções fiscais e de benefícios. Logo que os benefícios desaparecem ou terminam, a empresa arruma as malas e vai à vida.

Posto isto, este capitalismo à Portuguesa é de facto muito sui generis. Mas, uma vez identificado o problema e enunciadas as causas, não vejo razão para não se caminhar no caminho de os procurar resolver.

Contudo, e depois de visto o que já vimos, desejo-o mais do que o espero.

terça-feira, 8 de julho de 2014

«Nós na ONU»: Artur Baptista da Silva e o nosso destino colectivo

A propósito de mais um post no Insurgente, desta feita assinado por Miguel Noronha, lembrando a figura de Artur Baptista da Silva, pergunto-me o que é preciso para se ser levado a sério.

Para que nos ouçam é necessário ter cabelos brancos, se não muitos pelo menos uns quantos, preferencialmente uns óculos com pouca massa, embora agira já se vá usando - uma armação fina continua ainda a dar um ar mais intelectual ao seu portador -, o cabelo, pouco, puxado para trás e envergar umas calças vincadas, uma camisa com botões de punho - sem eles não se é a mesma coisa - uma gravata e um blazer. Se a tudo isto juntarmos uma dicção agradável, um vocabulário requintado quanto baste, que o povo não gosta espertalhões, uma convicção aparente e uns quantos clichés da moda repetidos com um abanar de cabeça que faz os outros pensar que se não acompanham o seu raciocínio então não percebem nada do assunto, então temos homem.

Este caso não é singular por ser raro, nestes moldes exactamente talvez até o seja, mas burlões temo-los em toda a parte. Este apenas teve mais notoriedade porque o autor do acto deambulou descomprometidamente pela Universidade de Verão de um Partido Político e por um programa de televisão, o expresso da meia noite, que se tinha - e tem - como credível e sério.

Este caso faz-nos ir mais longe no raciocínio. Para chegar a algum lado, e o poder é sempre um bom e clássico exemplo disso mesmo, é necessário apenas falar bem, decorar meia dúzia de números - errados ou certos, a maioria não os sabe e os que os sabem, ficando na dúvida, também não corrigem - acreditar na sua própria capacidade para ludibriar e criar uma constelação de correlegionários que o suportem e a quem se pagará quando ao pote se chegar.

Se este caso não servir para mais nada, ao menos que sirva para abrirmos os olhos e confirmarmos o que outros, com responsabilidade de influenciar o nosso futuro, vão dizendo, tentando assim perceber se a lógica ou a racionalidade moram nas suas mensagens. Não basta dizer que temos de baixar o desemprego: há que explicar como. Não chega afirmar que temos de deixar o Euro: é preciso clarificar o que aconteceria à nossas poupanças. Não é suficiente propalar-se aos sete ventos que a economia tem de crescer: há que explicar qual a estratégia para o conseguir e qual o modelo de crescimento que se vai adoptar. Não é justo não dizer que não temos economia para pagar este Estado Social, pois a receita continua estrutural - e não só conjunturalmente - longe de alcançar a despesa -só para que se saiba, nunca na III Républica tivemos superavit nas nossas contas públicas, o que é capaz de explicar muitas coisas -. Não é licito enganar as pessoas fazendo-as crer que com a reestruturação da dívida, ainda por cima unilateral, os salários e as pensões serão repostos e tudo continuará como dantes, porque isso não é verdade. E não vai acontecer. Não é admissível que não se explique às pessoas que descontam para um sistema providencial de tipo Pay as we go e não de capitalização individual, o que na prática quer dizer que os que estão no activo descontam para os que estão neste momento aposentados na esperança, repito, na esperança, que os que lhe sucedem façam o mesmo. Os números é que são o problema. Problema ao qual ninguém liga.

Quem tiver uma calculadora, correcção, um lápis e uma folha de papel e olhos na cara rapidamente vai perceber o embuste para o qual foi trazido.

Olhem a demografia. (1975 - 2.75 filhos por mulher/ 2014 - 1.21 filhos por mulher)

Olhem a esperança média de vida á nascença.(1975 - 68,4 anos/ 2012 - 80 anos)

Olhem o peso do Ministério da Saúde em % do PIB. (1975 - 0,4 %/ 2012 - 6,2 %).

Olhem a duração média das pensões da CGA. ( 1992 - 12.2 anos/ 2013 -18.1 %).

Olhem o número de beneficiário no activo por pensão da SS. (1975 - 3.8/ 2012 - 1,4%)

Olhem as despesas com pensões da Segurança Social em % do PIB. (1975 - 6,7 % / 2012 - 22%)

Olhem as despesas com pensões da CGA em % do PIB. (1975 - 0,4 % / 2013 - 5,1%)

Do the math.

(...)

FONTE- PORDATA

Acima de tudo, precisamos de alguém que fale verdade. Pode doer, mas já nos vai chegando de analgésicos. E, no caso de Artur Baptista da Silva, de placebos.


Argentina: história de uma tragédia anunciada

A propósito dos mais recentes problemas enfrentados pela Argentina, fica um excerto de um artigo de opinião de Maurício Rojas, intitulado «Raíces de la tragédia argentina».

Parece que no paraíso do Peronistas,  dos Galtieristas e, mais recentemente dos Kircheneristas - homem seguido de mulher na presidência, onde é que eu já vi isto?!? de todos os que entendem ter sido tocados por Deus ou pela Providência para derramaram sobre os seus cidadãos a sua infinita e inapelável sabedoria; nem tudo vai bem ou, para ser preciso, tudo vai mal.

Sim, vamos nacionalizar as empresas que se desenvolveram com o aforro de uns quantos e cujo risco eles suportaram. Como a coisa correu bem, toca a apropriar-se dela. Sim, vamos ferrar o calote a quem nos emprestou dinheiro, dizendo alto, unilateralmente e a uma só voz: «Não pagaremos!» - qualquer coincidência com a famosa expressão da Passionara nos tempos da guerra civil na batalha é pura ficção! -. Sim, vamos dizer a todo o mundo que o paraíso socialista à maneira Argentina tem resultado numa taxa de inflação que ninguém sabe exactamente qual é porque o governo a esconde - esses atrevidos cidadãos pensarão mesmo que isso lhes diz respeito? que impertinência! -,  numa taxa de desemprego que também, ao certo, ninguém sabe porque o governo não quer dizer -  o cidadão deve ter mais com que se preocupar, com o pão por exemplo - e com níveis de corrupção que o governo também não divulga porque não lhe convirá. Assim, no eixo Buenos Aires, Caracas, Havana e La Paz/Sucre, essa verdadeira Confederação Bolivariana, tudo vai bem, menos a economia, as finanças, a qualidade de vida, a competitividade empresarial, o emprego, a inflação, o livre exercício de Direitos, Liberdade e Garantias, etc...

Tudo isto num País que tinha e tem tudo para se tornar num dos mais prósperos do Mundo. Tudo menos respeito pela Liberdade Individual e confiança nos mecanismo do Mercado Livre. Só nos faltam senhas de racionamento, preços controlados e um Estado de emergência. O resto dos ingredientes da sopa já lá estão todos. E escaldados.

Fica o excerto do artigo de Maurício Rojas. Ler artigo completo aqui.

Más que un país, Argentina es una paradoja o el enigma de una nación que parece tenerlo todo para ser infinitamente próspera pero que se empeña en no serlo. Las noticias que cotidianamente nos llegan desde allí ya no son tales, sino meras repeticiones, cada vez más rocambolescas, de los despropósitos de siempre: un vicepresidente enjuiciado por corrupción, un Gobierno que crea una Secretaría para la Coordinación Estratégica para el Pensamiento Nacional, un país en recesión y al borde del default, un clan gobernante que se enriquece a una velocidad "vertiginosa para cualquier bípedo común y corriente", para decirlo con las palabras de Mario Vargas Llosa. Nada de esto es nuevo y requiere por ello de una explicación que vaya más allá de lo circunstancial, es decir, de la contingencia y de los nombres de quienes hoy encarnan roles que son ya infaltables en el drama argentino.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Post de Mário Amorim Lopes no Insurgente

O post de Mário Amorim Lopes no Insurgente, de resto bastante interessante, e com cuja substancia nem concordo nem discordo - em matérias de consciência como a presente não outorgo a ninguém o direito de criticar petulantemente o meu exercício e não me dou naturalmente licença de censurar os que, como eu, são livres e em liberdade pretendem viver -; deixou-me a pensar. Afinal, com que lentes vejo o mundo? Com que mãos o sinto? Deixando a tecnicidade da Teoria e Filosofia Políticas que, sendo por mim muito apreciadas, pouco me poderão ajudar neste domínio, importa que divida o objecto para o simplificar e reagrupar.

Vamos atomizar a direita agrupando-a em famílias, tanto quanto é possível fazê-lo. É uma simplificação porventura excessiva e já inadaptada ao sem número de variáveis a que a equação terá de atender para classificar as várias direitas do espectro político actual mas, ainda assim, ou por ser assim, serve o propósito aventado. Aqueles que são Liberais - no sentido Europeu Continental e não no sentido Anglo-norte-americano do termo - nos costumes e na economia, dependendo naturalmente do grau, poderão ser cunhados de Libertários - caso tenham uma visão muito pouco regulamentadora  do Estado, ao acreditarem firmemente  na concepção Hayekiana de Ordem Espontânea e forem mais adeptos de um mercado totalmente livre e aberto - ou de Liberais Clássicos, se estiverem impregnados dos mesmos ideais de liberdade dos Libertários mas acharem que o Estado pode desempenhar um papel um pouco mais relevante na sociedade. Se forem Liberais na economia e começarem a fraquejar no tocante à tolerância que demonstram para com os comportamentos e matrizes morais do que se vos apresentem, então poderão encontrar-se no mundo Democrata-cristão. A CDU e a CSU na Alemanha acolher-vos-ão. Se na economia forem tendencialmente Liberais, aceitando os princípios do livre-mercado, mas com interferências Estatais sempre que aquele que toma as decisões políticas achar que o que está em causa é o tão conhecido «interesse nacional»(?!?) ou os mais falados ainda «centros de decisão nacionais»(?!?) , ao mesmo tempo que mantêm uma rigidez moral pessoal/formal considerável, mas que só muito raramente ou nunca ganha forma de lei, então provavelmente devem ver-se como Conservadores. Se, finalmente, acharem que o Estado pode e deve comandar uma série de aglomerados e conglomerados que, ao invés de competirem em livre mercado, se sujeitam à sua iluminada vontade e que nesse Estado o ungido detém o direito de definir o que é ou não é aceitável no mundo da moralidade; então veja-se ao espelho e chame-se Nacionalista.

Até aqui, im westen nichts neues. E que fazer àqueles ou àquelas que, como eu, tem um ideal de vida relativamente claro e o consideram vertido num caldo habitado por uma espécie de miscigenação entre um Libertarianismo de principio um Liberalismo Clássico de acção? O que dizer daqueles que, como eu, respeitam grandemente a opinião alheia, mas nutrem um respeito quase venerativo, de igual ordem de grandeza, e com idêntico sentido e direcção do respeito por essa liberdade, quando pisam o campo de batalha de São Jorge ou tocam a pedra dos Jerónimos? Em que saco devem ser colocados aqueles para quem a batalha de Diu não lhes é indiferente, qual a natureza dos que se arrepiam quando ouvem o hino nacional, qual o lugar dos que, como eu, reverenciam Duarte de Almeida, Afonso de Albuquerque, D. Francisco de Almeida ou D. Nuno Álvares Pereira? Aonde me encaixo eu, que tenho a esfera armilar no escritório à direita da Bandeira Nacional?

Caríssimos, creio não ter escolhido ter pontos de vista que fazem de mim um Liberal. Foi a razão que os escolheu por mim ou, adaptando Ortega y Gasset, a razão e as minhas circunstâncias. E não, eu pelo menos não, não sinto um apelo irracional pela terra onde nasci. Sinto um apelo telúrico, intenso, solidário, possessivo até, mas não irracional. Não dar-mos o melhor de nós e exigirmos o melhor dos outros é que é irracional, e isso é o que nós temos passado boa parte do nosso tempo a permitir que aconteça. E se repita. Como povo, temos um território, uma língua, uma organização política consensual e uma cultura de norte a sul una e forjada na lembrança do sofrimento e da perda de séculos de história - e não, não a cunharei de gloriosa, porque sei que não o fui - que, no final das contas, é a nossa; e à qual não podemos escapar. No meu caso, não quero mesmo escapar-lhe. Quero sobreviver-lhe, e dobrar-lhe o cabo das tormentas. Se erros foram cometidos, se quem tomou as decisões erradas e arrastou todos os outros para este buraco do qual agora parecemos não conseguir sair realmente o fez, foi porque não enfrentou uma sociedade civil forte e informada capaz de travar ímpetos despesistas cujas consequências os outorgantes não tinham o direito de fazer reflectir sobre a geração que lhes sucederia; se isso aconteceu, em parte a culpa foi nossa. Assumamo-la. Corrijamos para futuro. Os Liberais não estão à espera que os outros decidam por si, e nós deixámos, ou fomos deixando.

Caros concidadãos, é verdade que não é justo que ao altar da Pátria se sacrifique tudo. E tudo é a liberdade, porque a liberdade são as mais variadas liberdades. Mas a Pátria nunca pediu isso, foram os homens que lhe quiseram dar, umas vezes de coração cheio e de edelweiss's na lapela, mas esquecendo a liberdade dos seus pares, outros usando o seu nome para cumprir os seus próprios fins.

As identidades nacionais servem para não nos esquecermos do que somos e de onde viemos: nunca para impedir que sejamos quem queremos ser. NUNCA. Elas existem para que não chamemos Wihlelm a um Guilherme, elas foram forjadas para que o João seja João e não Juan, elas permanecem porque, de alguma forma, por razões que nem a globalização abala, os Portugueses continuam querer estar entre si, cá dentro e lá fora, embora seja verdade que só estejamos bem onde não estamos no momento em que proferimos as nossas habituais queixas sobre tudo e, basicamente, sobre todos.  E querem morrer cá, e ser enterrados junto dos seus antepassados. Se é verdade que aparenta haver muito pouco de racional nisto, não esqueçamos que Dante nos ensinou que «a razão nos é dada para discernir o bem do mal». Estando eu na posse da totalidade das minhas faculdades mentais, e não achando que este conjunto de acções represente o mal, havemos todos de convir que me resta concluir que representando estas acções o bem, hão-de ter na sua base um qualquer substrato racional, ainda que aceite que epistológicamente esta explicação esteja muito longe de encerrar em si uma validade incontestável. Ficará para outra altura.

Caro Amorim Lopes: apraz-me a sua independência, agrada-me a sua coragem para dizer o que pensa ao invés do que julga que os outros querem ouvir. Ora aí esta uma sempre salutar qualidade Libertária. Mas aceite que eu, estando-lhe provavelmente muito distante no tocante ao sentimento que nutro pela terra onde - aleatoriamente, é verdade - nasci, estou-lhe o possivelmente muito próximo em praticamente tudo o resto.

A franqueza com que lhe escrevo afasta-nos ou aproxima-nos?

domingo, 6 de julho de 2014

O imperativo categórico e os incentivos ao trabalho: a bem de um País melhor

Ontem foi dia de compras. Fui sozinho. Enquanto deambulava absorto nos meus próprios pensamentos e problemas, pensando como de costume em tudo e no seu contrário - em bom rigor penso em tanto coisa ao mesmo tempo que duvido que reflicta em alguma delas -, dei já por mim na caixa. Não trazia muita coisa, só depois de lá estar dentro me lembrei que afinal não me faltava nada de especial. Acontece, e a mim acontece-me frequentemente. Quando vou de carro para algum lado não é também invulgar passar uma e outra saída, uma e outra rotunda, até me aperceber que afinal não era para ali que queria ir. Enfim.

Indo ao que importa, estava na caixa, e fez-se luz. Para ser franco, e considerando que ainda  estou a processar o que se passou, apenas posso afirmar com razoável grau de certeza que creio ter-se feito luz. À minha frente estava um casal, com uma criança. Devia ter uns três anos. Talvez tivesse quatro. Para falar verdade, não estava bem vestida. Deixando-me de rodeios que só prejudicam a objectividade dos factos que aqui quero trazer à colação - devo dizer que essa coisa de dizer o contrário do que se pensa e/ou mascarar o nosso ponto de vista apenas para passar a imagem de que somos seres humanos fantásticos e piedosos, tem impedido sucessivos contributos de pessoas inteligentes que, receando o feedback dos seus reparos, calam-se e, concordando com Condorcet quando este afirmava que «Toda a sociedade que não é esclarecida por filósofos, é enganada por charlatães», então poderemos ter um problema sério em mãos -; interessa pouco, para efeito da presente análise, se aquela criança vem de uma família desestruturada, de pais com parcos recursos ou se simplesmente não estava bem vestida. Não é isso que importa aqui. Esse facto apenas fez despoletar em mim um turbilhão de reflexões que descambaram nesta verborreia de argumentos mais ou menos lógicos, neste diagnóstico mais ou menos útil.

  Como vivemos numa sociedade semi-colectivizada, todas as acções tomadas pelos cidadãos na sua vida particular e/ou pública afectam duma maneira ou de outra a dos seus pares. O facto duma pessoa fumar, exercendo o seu inalienável e incontestável direito a fazê-lo, acarreta um custo à sociedade diferente daquele imposto por um seu concidadão não fumador. Porquê? Porque ao fazê-lo aumenta em muito o seu risco de contracção de diversos tipos de cancro associados ao hábito tabágico que serão suportados pelo Serviço Nacional de Saúde - escrevo-o com letras maiúsculas não por acaso pois, pese embora seja liberal e ache que esse serviço podia ser prestado de forma mais eficiente com contributos de privados que não influenciassem a seu proveito esses contratos de concessão; continuo a achar que é o instrumento de coesão social por excelência deste país -; custo esses que em principio não seria necessário suportar se aquela pessoa não fumasse. O problema é que este ponto de vista é extensível a praticamente todas as áreas da acção humana, como ter um acidente quando se ruma a férias, quando se fica paraplégico ao saltar-se salta de pára-quedas em lazer ou até partir uma perna quando se joga à bola no jardim. E reparem que todos estes exemplos resultam de acções aparentemente não produtivas e voluntariamente levadas a cabo por quem as prossegue, sabendo sempre que elas comportam um determinado grau de risco. Como todas as acções. Resulta claro para mim que ninguém quer ter cancro, ficar paralisado ou sequer partir uma perna. Mas todos estes problemas tenderão a ser solucionados com dinheiro dos impostos dos contribuintes. De todos os contribuintes. Não me admirava que em face disto, algum governante viesse um destes dias a terreiro dizer que apenas as maleitas sofridas no trabalho ou em função deste ou de uma qualquer actividade produtiva fossem graciosamente suportadas pelo SNS. É por estas e por outras que é um risco o poder decisório estar tão concentrado num punhado tão pequeno de decisores governativos. Quem vai de férias, quem salta de pára-quedas ou quem joga à bola faça um seguro.Estes exemplos servem apenas para nos lembrarmos que todas as nossas acções, que frequentemente consideramos neutras para os demais, na realidade podem passar um custo ao todo social. Virtualmente tudo o que façamos influência não só a sociedade semi-colectivizada em que vivemos se universalmente considerada, mas também qualquer cidadão/contribuinte, se individualmente apreciado.

Recentrando a questão na criança, eu quero falar das acções, mas quero sobretudo das omissões.

Vamos agora supor que aquela criança estava de facto mal vestida. Vamos supor que os seus pais fazem de tudo para não lhe deixar faltar nada. Mas deixam. Vamos continuar supondo que lhe faltarão os recursos para que ela se dedique apenas ao estudo, como é suposto acontecer. Vamos presumir que aquele ser inocente, aquele livro em branco cujo olhar enternece até o mais duro dos duros, não tem condições para vingar.

Eu diria que neste caso a omissão dos pais pode ser fatal. Mas o problema é de todos nós. Se a vida nesta sociedade se encontra semi-colectivizada, se as acções ou omissões de uns afectam de uma maneira ou de outra os demais, diria é nossa obrigação ética darmos o melhor de nós em tudo o que fazemos. Mesmo que não gostemos da forma como funciona este modelo social, mesmo que gostássemos de viver num tipo de organização comunitária em que as consequências do comportamento de alguns afectam os demais, a verdade é que é nela que vivemos. E já que vivemos nela, não podemos deixar que essa criança cresça sem as condições que lhe permitam ter um destino mais promissor.

Num tempo que poderíamos cunhar de pós-relativista - se lerem nos jornais, nas revistas na internet, tudo é relativo, todos os preceitos éticos, todas as âncoras morais são relativas, já nada é assumido como sendo intocável ou universalmente aceite -, importa o que fazemos, e importa como o fazemos. E não, não é com subsidio-dependência que se resolve o problema, com caridadezinha barata que serve apenas para clarear a consciência de alguns ou a imagem pública de outros. O que essa criança precisa é que todos os que com ela lidam com ela dêem o seu melhor, começando pela educadora de infância ao não a deixar de lado em detrimento dos filhos dos ilustres da terra, necessita que a professora primária puxe por ela e não a dê como uma caso difícil no qual não valha a pena investir o seu tempo. O que essa criança requer é apoio da escola, na forma de explicações, quando se perceber que os pais de revelam incapazes de pagar por explicadores privados. O que essa criança exige é que olhem para ela, que acreditem nela, que a guiem, que a orientem se a vida não logrou orientá-la, que a  aconselhem se o destino não lhe legou o melhor dos ambientes para que essas capacidades sejam desenvolvidas.

Uma vez mais, digo não. Não é com superestruturas estatais, povoadas de profissionais desnecessários que vão gerando um burocracia sem fim para irem tentando justificar a sua própria existência. Não, não é assim que se resolvem os problemas. É olhando para trás, é olhar Kant e o seu imperativo categórico. Se agirmos de tal forma que queiramos que o resultado das nossa acções se transforme em lei universal, então poderemos exigir isso aos demais. E se este País funcionar assim, então essa criança terá seguramente um futuro melhor, independentemente do berço que a viu nascer. Igualdade não representa para mim igual ponto de chegada, mas condições iguais à partida -sobre isto falarei mais tarde -. É por isso que devemos lutar. 

E não é só na escola, só no sector público e/ou cooperativo, que esta forma de estar e de ser se deve manifestar. No sector privado também. Mas se este último pode ainda dar passos muito interessantes, a verdade é que a concorrência do mercado faz já com que este fosse desenhando um conjunto de incentivos que, podendo ser melhorados, fazem já parte do funcionamento empresarial. A empresa que não respeitar esta «regra» não escrita, perde o seu capital humano para os concorrentes e sujeita-se definhar e a passar de crise em crise até à crise final. É, portanto, no sector público que deve ser repensado um tipo de estrutura que promova o mérito dos que empreendem em detrimento da manutenção do status quo dos que pretendem deixar tudo na mesma, dos que não percebem que o mundo mudou e que é imperativo mudar com ele. É fundamental que o cidadão seja bem servido e que essa criança não veja melhoradas as suas perspectivas de futuro porque uns quantos preferem manter tudo como está, mesmo que saibam o custo que isso representa.

Eu ontem não fui às compras e não vi criança nenhuma. Podia ter ido e tê-la visto, mas não fui e não a vi. Ah, aquela criança representa qualquer um de nós. O profissional zeloso e esforçado aqui aventado neste pequeno contributo é o que eu entendo que todos nós devemos procurar representar. E exigir aos outros que sejam.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Mercados livres são a solução para países pobres

Uma parte considerável do público até poderá saber que o Ruanda é um País. Já quanto ao continente em que se situará, e se perguntados, alguns diriam imediatamente que a situação se complica. Se lhes pedíssemos que o apontassem no mapa, então seria o descalabro total. Se a minha intuição não me falha, de pouco serviria dizer que tem como vizinhos o Burundi e o Uganda.

O Ruanda é um pequeno País situado perto dos grandes lagos da África negra, sem ligação ao mar, enclausurado entre potências regionais - República Democrática do Congo Tanzânia - e pequenos países - Burundi e Uganda - com os quais não mantém grandes relações diplomáticas, mantendo inclusive diferendos fronteiriços com os mesmos. 

Antiga colónia Belga, tornou-se independente com o conjunto do então Congo Belga, e ninguém lhe augurava grande futuro. Com uma superfície de 26 000 km 2 e cerca de 12 000 000 de habitantes - pouco mais de um quarto de Portugal em tamanho e mais 1 500 000 de pessoas -, o Ruanda enfrentou desde logo o complicadíssimo desafio que representa o auto-governo, sobretudo quando se têm fronteiras forjadas a régua e esquadro por potências estrangeiras, uma diversidade étnica marcada pelo sangrento confronto entre a minoria Tutsis e a maioria Hutu  que, em 1994, ceifaria a vida centenas de milhares de tutsis e hutus moderados e uma situação geográfica nada abonatória.

Os desafios deste pequeno País são mais que muitos. Sem tradição de administração central que não a brutalmente imposta pelas antigas potências colonizadoras - Alemanha e Bélgica -, sem o tradicional respeito pelo ordenamento jurídico e pelos tribunais civis que mereça a aceitação de todos, com uma actividade produtiva baseada na agricultura de subsistência, com níveis educacionais - o problema de iliteracia é crónico - e de saúde pública residuais e sem recursos naturais significativos, o futuro não parecia brilhante para este pequeno País.

No entanto, sopram novos ventos na zona dos grandes lagos. Desde meados da década de 90, o Ruanda te vindo a adoptar políticas de mercado livre, o que lhe tem permitido crescer em média 6.6 % ao ano entre 1994 e 2010. Os cidadãos Ruandeses, que em média viviam com 0,50 cêntimos de dólar por dia em 2001, viviam até há pouco com 1,50. Os valores de pobreza, pobreza extrema e da própria desigualdade reduzem-se a cada ano e embora estejam em níveis apesar de tudo críticos, temos de nos lembrar que a evolução e o desenvolvimento levam o seu tempo, sobretudo naquele continente.

Pese embora os resultados estejam em crescendo, muito há ainda para fazer por aquelas paragens. Os custos de contexto continuam elevados, fruto de um Administração Pública e de uma autoridade de Estado ainda incipiente e inexperiente, quando não corrupta. Os custos de transporte são inflacionados pela inexistência de ferrovia e por uma rede viária fraca, mas que tem vindo a ser remodelada e transformada, sobretudo nos últimos anos. Outras das mudanças que é necessário operar é a integração comercial regional, condição essencial para um País sem fronteiras marítimas poder exportar o seu excedente comercial, que só poderá ser conseguido através de acordos multilaterais não coercivos e que fomentem a concórdia e a paz entre os vizinhos.

Até no índice de liberdade económica promovida pela Heritage Foundation e pelo Wall Street Journal a subida nos últimos anos foi assombroso, ocupando o Ruanda neste momento um honroso 65º lugar - Portugal ocupa o 69º -. O segredo deste sucesso tem quase sempre as mesmas causas: liberalização maciça dos sectores produtivos; propriedade passa a ser sujeita a registo e susceptível de ser detida por privados; o ordenamento jurídico age como protector do investidor e como garante do investimento em caso de incumprimento das partes contraentes ao invés de veículo da vontade do detentor do poder governativo; abertura das instituições de crédito ao investimento.

A grande revolução foi no entanto feita no principal sector produtivo do Ruanda: o Café. Controlado até há duas décadas pelo Estado, que forçava todos os agricultores a reservar pelo menos um quarto da sua semeia para aquela cultura e a vender o produto do seu trabalho abaixo do preço de custo para que o Estado pudesse lucrar com a diferença entre o preço de compra e de venda nos mercados internacionais; o sector tornou-se absolutamente incapaz de se mostrar competitivo e de criar os incentivos necessários ao jogo capitalista. O fim do intervencionismo gerou os incentivos necessários para os agricultores preterirem a qualidade em favor de um produto de qualidade superior, bem ao gosto dos consumidores ocidentais com os quais agora eram livres para negociar directamente. Este processo permitiu que  crescesse exponencialmente a eficiência dos processo produtivos, bem como a própria produtividade. Pela primeira vez, o excedente produtivo destes empreendedores permitiu-lhes criar negócios em nichos de mercado até aí não existentes, comprar medicamentos até então inacessíveis - por falta de dinheiro e de oferta -, adquirir roupas adequadas ao seu clima, o desenvolvimento do sector imobiliário, ao mesmo tempo que permitiu, pela primeira vez, que os seus filhos pudessem frequentar a escola.

No entanto, talvez a maior conquista desta abertura Ruandesa ao mundo e ao mercado livre tenha sido o incremento dos níveis de coesão e de cooperação entre os rivais Tustsi e Hutus,  que têm sabido manter um quadro de paz e de normalidade institucional absolutamente fundamental para o crescimento económico e para a atracção de investimento externo. O mercado livre fomenta a paz e a concórdia entre os povos.

É verdade que a economia Ruandesa tem ainda um longo caminho até se tornar uma sociedade mais justa e com padrões de vida qualitativamente equiparáveis a outras partes do globo, mas regionalmente possui já indicadores muito interessantes. Tem como desafios futuros a diversificação da sua estrutura produtiva por forma a aguentar os choques provocados pela oscilação dos preços das sua principais culturas, preferencialmente através da criação de sectores económicos capazes de produzirem produtos com elevado valor acrescentado.

A sorte está lançada. O futuro ditará a sorte deste povo. Como disse Thomas Jefferson, «Acredito muito na sorte. Verifico que quanto mais trabalho mais a sorte me sorri». Oxalá a sorte os faça sorrir.

Ler artigo completo da Foundation for Economic Education em Inglês aqui.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O génio de Thomas Jefferson

Para os mais incautos, Thomas Jefferson foi o primeiro Secretário de Estado, o segundo Vice-presidente e o terceiro Presidente dos Estados Unidos da América. Tido como uma das mentes mais brilhantes de entre os founding fathers dos Estados Unidos, Thomas Jefferson foi um dos primeiros a perceber a absoluta necessidade de impor limites ao poder que o Estado Federal disporia numa união entre Unidades Federadas que livremente se associavam para construírem a nova Nação. Espírito iluminado, encerrou em si virtudes que fariam dele um humanista, se tivesse nascido 2 séculos antes na então Europa renascentista. Pese embora tenha  menosprezado, e em certa medida não tenha mesmo tido a capacidade de perspectivar um sociedade industrial e manufactureira pós-agrícola - terá sido uma das poucas vitórias que a posteridade legaria a Alexander Hamilton por contraponto às derrotas frequentes que sofreu de Jefferson em vida -; Jefferson era uma pessoa extremamente tolerante, espírito esse que curiosamente lhe permitia transformar-se quase instantaneamente num ser ultra-combativo sempre que sentia que algo ou alguém pretendiam limitar a sua liberdade ou quaisquer direitos naturais que sentia ser possuidor pelos simples facto de ser humano. Figura lacónica, reflexiva e aparentemente imperturbável, era frequentemente encontrado em absoluta clausura, absorvido pelos seus próprios pensamentos. Polímata, o fazendeiro da Virgínia foi pois um geoestratega brilhante - compraria o Louisiana à França Napoleónica  em 1803 -, músico, político, o primeiro arqueólogo com método de trabalho conhecido e até arquitecto. A este respeito, devo acrescentar que eu, que já nutro um especial interesse pela arquitectura clássica helénica e romana, mormente na sua expressão palladianista; fico sempre impressionado quando aprecio a fachada, a traça da sua propriedade em monticello ou da rotunda da Universidade da Virgínia por si fundada, e cujos projectos elaborou e cuja construção supervisionou. Pese embora o seu génio tenha perpassado pelas mais diversas áreas do saber, terá sido na filosofia política que mais se destacou ou, pelo menos, aquele foi o domínio que lhe granjeou mais fama e notoriedade.
Conhecedores destas capacidades, os delegados ao congresso continental das então treze colónias americanas encarregaram Benjamim Franklin, John Adams e um relativamente desconhecido, mas furtivamente ambicioso, agricultor de 33 anos da Virgínia: Thomas Jefferson. A declaração de independência dos Estados Unidos - (pt ou en) - é seguramente uma das mais importantes peças literárias jamais escritas,  servindo não só como declaração emancipatória, de resto magistralmente redigida, mas também como uma verdadeira declaração de direitos humanos que recoloca o homem livre, e não o déspota iluminado e/ou esclarecido, no centro do mundo.

«Os homens tímidos preferem a calmaria do despotismo ao mar tempestuoso da liberdade» Thomas Jefferson. Se encontrarem frase lapidar onde se concentre de forma mais precisa o espírito do liberalismo, digam-me.

We hold these Truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the Pursuit of Happiness -- That to secure these Rights, Governments are instituted among Men, deriving their just Powers from the Consent of the Governed, that whenever any Form of Government becomes destructive of these Ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and to institute new Government, laying its Foundation on such Principles, and organizing its Powers in such Form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and Happiness.










Monticello - Charlottesville, VA, EUA



                                                                                                                                                                                                                                               
                                                                                                              Rotunda da Universidade da Virgínia - 
                                                                                                       Charlottesville, VA, EUA