A
discussão em torno da educação em Portugal é simultaneamente tanto um
imperativo imposto pela necessidade quanto parece ser uma impossibilidade
teórica, imposta pela análise prática quando considerado o caótico processo de
discussão educacional que teve lugar nos últimos anos. Com efeito, o que se
conclui - para além de que quando se fala desta temática, nada se consegue
concluir - é que se discute cá fora o que deveria ser discutido internamente
duvidando-se, e com fortes razões para isso, se a discussão que deveria ser
feita cá fora, é ou não levada a cabo lá dentro. A primeira diz respeito ás carreiras
e ao processo avaliativo, o segundo aos currículos, ao cheque-ensino -
concorrência - e à disciplina na escola, entre outros.
Vamos
por partes. O mundo mudou e, como de costume, sectores consideráveis da
população Portuguesa, nomeadamente as corporações mais bem instaladas e que
mais têm a perder com este processo globalizador, continuam, hoje e sempre,
irredutíveis à mudança e ao invasor ideário neo-liberal e ao regime
capitalista-exploralista que o serve. Com efeito, é exactamente isso que se
passa. Não precisamos de mudar nada no nosso sistema, porque tudo vai bem. O
oriente não se industrializou e não se tornou o centro produtor do mundo - em
bens e serviços -, o leste europeu, mais alfabetizado e instruído e com custos
unitários do factor trabalho mais baixos que o nosso, não se liberalizou, a
China e a Índia não aderiram à OMC, os tigres asiáticos são uma lenda polulante
que graça lá para os lados do sol nascente à qual não devemos ligar, a América
do Sul não tem hoje uma voz activa no mundo, a África não procura, ainda que
lentamente, o seu lugar ao sol no concerto das nações e o conjunto das
economias emergentes não dilaceraram a estrutura produtiva que existia no País,
num mundo com cada vez menos barreiras proteccionistas e no qual a competição
sectorial é mais intensa que alguma vez foi.
Como
dificilmente podemos concorrer em mercado aberto com estes players em produtos de
baixo valor acrescentado, tê-lo-êmos de fazer em nichos de mercado em que
sejamos comparativamente melhores. A melhor forma de o podermos fazer reside na
melhor combinação que consigamos encontrar entre as duas variáveis fundamentais
da produção que nos interessam aqui discutir: o capital e o trabalho. No que
diz respeito ao primeiro factor, os dados não são encorajadores. A formação
bruta deste tipo de factor de produção está muito longe de ser o esperado, e é
um dos calcanhares de aquiles da nossa economia. Quando se fala que a economia
lusa está fortemente descapitalizada, não se fala tanto na falta de capital
circulante: é do capital fixo que estamos verdadeiramente necessitados. Como
durante o boom do crédito barato nos mercados internacionais nos fomos
divertindo a gastá-lo - gastá-lo é diferente de aplicá-lo ou investi-lo, pois
este últimos pressupõem reprodutividade - em autoestradas onde ninguém anda, em
reestruturações de linhas de caminho-de-ferro que poupam minutos a custo de
centenas de milhões de euros, em processos de formação profissional cuja
avaliação nunca foi feita - talvez porque o resultado fosse aquele que, empiricamente,
todos prevemos que seja: MEDÍOCRE - ou em fantásticos planos corporizados por
uma nouvelle instruction chamada «Novas Oportunidades», essa
fantástica obra que pretendia eliminar por decreto uma atraso formacional que
tinha mais a ver com a Escola Pública da ditadura e da Democracia da III
República do que com qualquer outra questão; nunca fizemos o investimento que
devíamos ter feito na modernização da nossa estrutura produtiva no que às
instalações e equipamento/maquinaria diz, pois os empresários, quase que
obrigados pelas circunstâncias criadas pelo poder político e pela legislação
por ele aplicada na forma de isenções, estímulos, benefícios fiscais, etc,
preferiram aplicar esse dinheiro no imobiliário e em bens e serviços para
alimentar o mercado interno em vez de fazer aquilo que um País da nossa
dimensão deve fazer agora e sempre, que é exportar. E isto só aconteceu com o
dinheiro dessa oferta brutal de crédito que teve lugar no início da década que
o Estado não decidiu esbanjar em obras públicas, e aumentos de despesa com a
saúde, educação e prestações sociais que, há muito, já não se pagavam com as
receitas obtidas a através de contribuições e impostos - gosto da palavra
contribuições, diga-se -. Foi aí que começamos a perder o comboio desta última
globalização. É por isso que acho curioso esse auto-elogio que alguns fazem
agora a propósito desta capacidade que os empresários emprestaram à nossa
economia ao deslocarem a produção do mercado interno para o exterior. É tudo
uma questão de estímulos. Se ao menos o Estado tivesse percebido o que a
Alemanha já percebeu desde a sua unificação em 1870, a China desde 1979 com
Deng Xiaoping e os Estados Unidos não tardarão a perceber, por maior que seja o
mercado interno, o equilíbrio da balança comercial é fundamental num mundo
liberalizado e desprovido de barreiras alfândegárias. E o nosso mercado interno
não tem comparação com aqueles que acabo de referir, o que só piora o problema.
Ora se não temos possibilidade de solicitar somas avultadas de dinheiro na
forma de empréstimos porque ninguém nos empresta, como é quase impossível
aumentar a carga fiscal porque a mesma atingiu já números exorbitantes, e como
não geramos poupanças que nos permitam usá-las para, agora sim, as aplicar-mos
em bens e serviços transacionáveis capazes de ombrearem com o melhor que no
mundo se produza –ao invés do que se faz no passado recente -, resta-nos apenas
a moleta do investimento externo para podermos fazer a revolução tecnológica
que urgentemente necessitamos. Como a nossa estabilidade governativa, a nossa
política fiscal, a nossa burocracia e o nosso quadro legislativo são tudo menos
estáveis e previsíveis; não se augura grande futuro a este País se um grande consenso
político e social não se vir entretanto gerado.
Mas
onde perdemos definitivamente o comboio foi quando não percebemos o que fazer
com a educação desse bem cada vez mais escasso e precioso que são os nosso
jovens, onde me incluo, eles que representam a mão-de-obra, o factor trabalho,
o capital humano de amanhã, que vai competir com os jovens da Coreia do Sul, do
Japão, de Singapura, da Indonésia, do Brasil, da Colômbia, da Alemanha, da
Polónia e do Canadá. É essa a diferença entre a geração que hoje tem trinta ou
quarenta anos, e aquelas que aí vêm, com a dos seus pais ou avós: já não vais
haver espaço para equívocos, para disparates como a protecção legal dada aos
fósforos como forma de proteger essa indústria descapitalizada e ineficiente
contra a modernidade representada pelos isqueiros. Não é esquecendo a ameaça,
ou utilizando expedientes dilatórios para a rechaçar, apresentada pela
concorrência num mundo globalizado que resolvemos os nossos problemas: é enfrentando-os
em campo aberto. Naturalmente não em tudo, mas sim naquilo que podemos e
realmente somos melhores a fazer. A indústria do calçado, depois de ter passado
por momentos difíceis, não se salvou por decreto governamental ou por uma lei
da Assembleia da República: prosperou por que se reinventou, porque percebeu o
problema que residia nas consequências entretanto analisadas e porque lhe
atacou as causas. Esta indústria entreluziu rapidamente que nos produtos de
baixo valor acrescentado dificilmente seria competitiva: os concorrentes
asiáticos haveriam sempre de produzir o mesmo, e mais barato. Havia de utilizar
o know-how de décadas para produzir esses bens com maior valor acrescentado, e
ousou-se, com sucesso, jogar na mesma liga da Itália. Fascinante!. Com um
Markting agressivo e com novos modelos de gestão, o novo produto era muito mais
apetecível. E mais caro. Cada hora de trabalho gerava um valor muito superior
ao gerado no pretérito. Oxalá o seu exemplo faça escola.
E
a nossa Escola, essa formadora de capital humano que, antes de mais, forma
pessoas, forma cidadãos? Quem julga que ouvirá neste blog críticas pessoas a
políticos e/ou a movimentos associativos ou sindicalistas, perde o seu tempo.
Neste blog discutem-se ideias, não pessoas. Nessa linha, não quero nem vou
referir-me ao conflito entretanto reaberto pela enésima vez entre sindicatos e
a tutela, a propósito da prova de aptidões e competências que, apesar de tudo,
serviu de mote para esta reflexão. Não tenho capacidade, e em bom rigor também
me falta a vontade, de discutir se a prova deve ou não ser feita, nos moldes,
com o teor e nas circunstâncias em que esta foi feita, embora me pareça
evidente que a entidade patronal, quando antevê que vá ter um grande número de
candidatos para um número reduzido de vagas, deva ter o direito de impor previa
e publicamente as condições em que essa escolha vá ter lugar. E não me parece
que a tentativa de alguns colegas boicotarem a prova e limitarem a
possibilidade de, em liberdade, colegas seus poderem escolher fazê-la ou não,
contribua para uma imagem que deveria ser de rigor e de disciplina, para dar o
exemplo, e não de amotinação e desobediência. É certo que foi um ínfima parte
da classe, e esse aspecto tem de ser aqui reforçado, mas uma classe
determinante para o futuro do País que se quer ver respeitada e estimada pela
comunidade e pelos alunos, não se pode expor desta maneira sem esperar ser
atingida pelos estilhaços da deflagração, da detonação que esses actos provicam.
O Ministério não sai ileso de críticas neste processo, mas a história não foi
diferente com os últimos Ministros ou com os últimos governos apoiados por
maiorias parlamentares diferentes da actual, o que se levanta a interrogação
seguinte: serão as diferentes tutelas, portadoras elas mesmas de diferentes
sensibilidades e advindas de diferentes sectores da sociedade, as únicas
culpadas dos processos contenciosos frequentemente abertos e reabertos no
passado próximo? Fica a questão.
Sejamos
francos. Contra uma explosão no número de formados no ensino superior para
ingressarem no ensino, opõe-se uma diminuição brutal do número de alunos,
tendência que vem já do final da década de 70 e que se tem vindo a agravar nos
últimos anos. A fórmula composta pelas variáveis «mais professores» e «menos
alunos» parece indicar-nos o óbvio: há cada vez menos trabalho para um número
crescente de professores, e este é um facto indesmentível, porque factual.
Deixando
de lado a questões corporativas e focando o objecto deste artigo, o principal
problema reside, quanto a mim, na necessidade imperiosa de mudar o paradigma em
que operamos para nos tornarmos mais competitivos. Se não o fizermos a bem,
agora, vamos ser provavelmente forçados a fazê-lo à pressa e à bruta, sem
possibilidade de planear e de gerir eficientemente essa transição. As condições
que fomos forçados a aceitar pela Troika em 2011 poderiam ter sido suavizadas
se não nos tivéssemos apresentado às instâncias internacionais praticamente
falidos, e um falido não negoceia, não impões condições, como impôs a Irlanda
na manutenção do IRC. Enquanto andamos a discutir se os nossos filhos devem ou
não trazer trabalhos para casa - coitados! -, outros discutem qual o número de
horas que os jovens devem dedicar à escola em casa, de forma a prepará-los para
um futuro ultra competitivo. Enquanto entre nós se continua a aceitar quatro
meses de férias para a quase totalidade dos estudantes - um calendário
essencialmente agrícola completamente ultrapassado -, outros discutem já sua
diminuição de forma rápida. Enquanto entre nós o universitário com mais
matrículas é visto como um exemplo e admirado pela comunidade estudantil,
noutra parte do mundo ele é ostracizado por brincar com o dinheiro dos
contribuintes e por tirar uma vaga a alguém que a soubesse apresentar. Enquanto
que noutros pontos do globo o ensino permite, e admite, que estudantes
diferentes progridam a velocidades diferentes, entre nós esse conceito sofista
tão caro à tradição moral republicana que é a Igualdade, obriga todos os
estudantes a andarem à velocidade do mais lento. Enquanto que outros países
perceberam já que é introduzindo concorrência no sistema - concorrência entre
público e privado e entre escolas do próprio sector público -, no nosso canto à
beira-mar plantado insiste-se na manutenção de uma estrutura monolítica que
está a roubar, sem que ninguém se aperceba, o futuro do País. Enquanto que
noutras paragens se não confunde direito ao ensino com ensino fornecido pelo
próprio Estado através de escolas Estatais, entre nós continua-se a chamar
todos os nomes e mais alguns àqueles que só querem colocar os filhos na escola
que mais garantias lhe dê, sem pagar mais do que já paga para o sistema público
que financia com os seus impostos: seria o cheque-ensino. Tudo isto tarda em
ser discutido com rigor, com verdade, com lealdade. Tudo isto tarda em ser
aplicado, não porque não se saiba que iria melhorar o ensino, mas porque se
acha que iria ser difícil consegui-lo.
Mais:
alguém percebe como pode um professor com 30 anos de serviço, um docente cuja
experiência o torna um activo valiosíssimo para a escola e para a sociedade,
ter um horário zero e, ao seu lado, tem um professor contratado? Alguém percebe
o caótico e anárquico regime de colocação de professores, que frequentemente
opõe professores do quadro a contratados e que causa níveis de fricção e
desgaste na classe docente provavelmente evitáveis? Consegue alguém entender
porque é que os próprios alunos do secundário, ao perceberem a extrema
dificuldade que representa exercer a profissão de professor, se continuam a
inscrever em massa nos cursos superiores habilitantes? Pode alguém perceber
porque é que, havendo professores com horário zero ou parcial, não é criada uma
bolsa de explicadores que evitasse que os alunos que têm menos recursos, bem
como os demais, pudessem ter explicações na própria escola? Creio que todos
sabemos a resposta, e importa que percebamos de uma vez por todas que urge agir
ao invés de desviar o olhar.
Temos,
portanto, dois caminhos à nossa frente: ou mantemos tudo como está e arriscamo-nos
e ser varridos do mapa por quem seja mais instruído e competitivo que nós e,
mais grave, insultados legitimamente pelos que hoje não estamos a preparar e a
disciplinar convenientemente, os nossos filhos; ou então fazemos o que importa
fazer, doa a quem doer e custe o que custar, sem calculismo e sem calendários
eleitorais a toldar-nos o raciocínio.
É
simples, tudo o que tem de se fazer é decidir. E arcar com as consequências.